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Novas Narrativas

[Trilho Ecológico - Ermesinde - Fevereiro 2024]


"A alma humana é vítima tão inevitável da dor que sofre
a dor da surpresa dolorosa, mesmo com o que devia esperar.
Tal homem, que toda a vida falou da inconstância e da volubilidade feminina
como de coisas naturais e típicas, terá toda a angústia da surpresa triste
quando se encontre traído em amor — tal qual, não outro,
como se tivesse sempre tido por dogma ou esperança a fidelidade e a firmeza da mulher.
Tal outro, que tem tudo por oco e vazio, sentirá como um raio súbito
a descoberta de que têm por nada o que escreve, ou que é estéril o seu esforço por ensinar
ou que é falsa a comunicabilidade da sua emoção.
Não há que crer que os homens, a quem estes desastres acontecem,
e outros desastres como estes, houvessem sido pouco sinceros nas coisas que disseram,
ou que escreveram, e em cuja substância esses desastres eram previsíveis ou certos.
Nada tem a sinceridade da afirmação inteligente com a naturalidade da emoção espontânea.
E isto parece poder ser assim, a alma parece poder assim ter surpresas,
só para que a dor lhe não falte, o opróbio não deixe de lhe caber,
a mágoa não lhe escasseie como quinhão igualitário na vida.
Todos somos iguais na capacidade para o erro e para o sofrimento.
Só não passa quem não sente; e os mais altos, os mais nobres, os mais previdentes,
são os que vêm a passar e a sofrer do que previam e do que desdenhavam.
É a isto que se chama a Vida."

Bernardo Soares / Livro do Desassossego


[Elenco mágico "Impossível" - Porto - Janeiro 2024]

…“Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma.
O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.”…

Bernardo Soares  /  Livro do Desassossego

["Operação Nariz Vermelho", "Doutores palhaços" - Porto - Dezembro 2023]

"Só o que sonhamos é o que verdadeiramente somos, porque o mais, por estar realizado,
pertence ao mundo e aos outros."
 
Bernardo Soares  /  Livro do Desassossego

[Porto, Novembro 2023]

«A alma humana é porca como um ânus...»
_Álvaro de Campos_

" Intervalo Doloroso "

[Ermesinde - Fevereiro 2024]

"Mesmo eu, o que sonha tanto, tenho intervalos em que o sonho me foge.
Então as coisas aparecem-me nítidas. Esvai-se a névoa de que me cerco.
E todas as arestas visíveis ferem a carne da minha alma.
Todas as durezas olhadas me magoam o conhecê-las durezas.
Todos os pesos visíveis de objectos me pesam por a alma dentro.
A vida é como se me batessem com ela."

Bernardo Soares  /  Livro do Desassossego


[ Arouca - Calvário - Outubro 2023 ]

“Se algum dia me suceder que, com uma vida firmemente segura, possa livremente escrever e publicar, sei que terei saudades desta vida incerta em que mal escrevo e não publico. Terei saudades, não só porque essa vida frustre é passado e vida que não mais terei, mas porque há em cada espécie de vida uma qualidade própria e um prazer peculiar, e quando se passa para outra vida, ainda que melhor, esse prazer peculiar é menos feliz, essa qualidade própria é menos boa, deixam de existir, e há uma falta.
 
Se algum dia me suceder que consiga levar ao bom calvário a cruz da minha intenção, encontrarei um calvário nesse bom calvário, e terei saudades de quando era fútil, fruste e imperfeito. Serei menos de qualquer maneira.
 
Tenho sono. O dia foi pesado de trabalho absurdo no escritório quase deserto. Dois empregados estão doentes e os outros não estão aqui. Estou só, salvo o moço longínquo. Tenho saudades da hipótese de poder ter um dia saudades, e ainda assim absurdas.
 
Quase peço aos deuses que haja que me guardem aqui, como num cofre, defendendo-me das agruras e também das felicidades da vida.”
 
Bernardo Soares  /  Livro do Desassossego


 A Sedução da Palavra das Flores

[Ermesinde - Agosto 2023]

"Onde pus a esperança, as rosas
Murcharam logo.
Na casa, onde fui habitar,
O jardim, que eu amei por ser
Ali o melhor lugar,
E por quem essa casa amei —
Decerto o achei,
E, quando o tive, sem razão para o ter
 
Onde pus a afeição, secou
A fonte logo.
Da floresta, que fui buscar
Por essa fonte ali tecer
Seu canto de rezar —
Quando na sombra penetrei,
Só o lugar achei
Da fonte seca, inútil de se ter.
 
Para quê, pois, afeição, esperança,
Se perco, logo
Que as uso, a causa para as usar,
Se tê-las sabe a não as ter?
Crer ou amar —
Até à raiz, do peito onde alberguei
Tais sonhos e os gozei,
O vento arranque e leve onde quiser
E eu os não possa achar!"

Fernando Pessoa


[Leça da Palmeira - Junho 2023]

O cansaço de todas as ilusões e de tudo o que há nas ilusões
a perda delas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perdê-las, a mágoa de as ter tido,
a vergonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.

Bernardo Soares / Livro do Desassossego


"Memórias minhas...Sou como sou, nada mais."

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